"Estou em uma daquelas tardes veraneias em que o céu se escurece e de repente o dia é noite. O vento quente se esmiuça pelas janelas de tantas quantas casas e derruba vasos com as cortinas. O presságio da chuva despede uns dos outros os boleiros mirins na praia e a moça corre atrás da canga de várias cores que ganhou do namorado, pois que esta saiu voando pra brincar com o folguedo de sua dona.
Trovões, na metrópole os carros se avolumam à pressa da fuga do intransitável causado pelas enchentes. A tormenta se apresenta com pequenos pingos de garoa e muitos trovões que lhe anunciam, como trompetes à rainha, a chegada. Terrível, descabela a moçoila que corre pela rua Vergueiro e se esconde no botequim ou na loja de flores. São três da tarde e já parecem seis.
Os mendigos vão se escondendo embaixo dos parapeitos, toldos e papelões. O desgarro lhes acolhe como sempre, a tristeza lhes cobre os olhos de lágrimas enquanto se drogam à visão do desespero que se aproxima. A sujeira, a lama e o lixo subirão por estas ruas que ninguém lhes ladrilhou, pra destruir e ameaçar o pouco que ainda lhes é comum, e se perguntam "de quanta migalha se mata a fome de um homem?".
Em minha pueri domus abro um livro e requento um café pra fazer da melodia do trovejar à janela um pouco mais confortável, a chuva nos faz recolher-nos.
A tormenta, o mau presságio desespera quem está fora de casa, façamos, portanto, qualquer lugar de casa.
Estou no prelúdio d'uma. Quero fazer de casa tudo o que me envolve. Sei que durará pouco e já vi o que acontece logo depois. Depois do verão vem o outono, o inverno e aí sim a primavera. Me aperta o coração saber que vai chover tão forte no jardim desta casa. As flores que afogarão, a árvore que estremecerá, as formigas em pressa, os passarinhos sem cantar. Ah, como é forte o que vem dos céus.
Sei que dará tudo certo, sei que estaremos bem, mas ainda assim, gostaria de ficar trancado em meu quarto com o meu café e o meu saber até tudo passar, pra que o coração do lado de fora não intervisse e não fizesse do meu 'por certo' um 'talvez', quero que isso passe logo e que não divida a minha vida em um verão que nunca mais voltará, como que me prendesse a um outono eterno, sem primaveras e com os toques do inverno que, sem a sua presença, fariam de mim o mais infeliz de todos.
Rezo pra que tudo saia bem, por mais que seja algo simples, me aperta o coração."
À minha mãe, dona Mônica (dona dos Verões e das Primaveras, que cuidou de mim durante todos estes Outonos e Invernos e celebrou a chuva sempre que fomos à praia, ver o mar e a alegria de se distrair).
Me recordo que estava em Santo André, pequeno, no jardim de infância, quando fiquei preso na diretoria do Instituto Coração de Jesus, primeira escola, quando temi por sua ausência.
A chuva nos separou, lembro que d. Mônica trabalhava em uma empresa na Avenida dos Estados e aquele dia uma forte enchente não deixou que nos buscasse na escola. A diretora ficou cuidando de nós até que você chegasse, e o aperto que sentimos no coração foi ao avesso de alegria quando nos reencontramos. Eu era pequeno, eu e meu irmão sentimos uma pontada de desespero, mas que não vingava pois você sempre nos ensinou que no fim dá tudo certo. Nunca foi uma aula professoral, ditada por regras e palavras na lousa, mas lições de vida mesmo, daquelas que nós percebemos em silêncio, quando choramos juntos ou quando sorrimos juntos.
O amor que sinto por você descabe em palavras, como naquela música do Roberto Carlos que cantávamos quando chegamos ao Externato em São Caetano, no dia das Mães.
Me lembro também de uma cena que sem querer, me ensinou tudo o que deve ser uma família.
Chegando em casa, em uma tarde veraneia, como a do texto, após um futebol em que eu era o boleiro mirim, nos deparamos com um ar triste e pesado, um cheiro de flores e uma voz latina cantando que envolvia todo o ambiente, saída de um rádio que quase reproduzia uma vitrola, dos idos em que você veio do Chile...
Tio Pancho tinha se ido e você sentia, de coração partido, a partida d'aquele que não via há anos. A memória do quanto passaram juntos e todo aquele amor que tinha guardado veio à tona quando soube de sua partida. Família é passar junto...
Eis que a injustiça está nos momentos de que compartilhamos sem saber do quanto estamos juntos. Ah D. Mônica, o que seria de nós sem você? As lições mais importantes nos mostrou, nunca com palavras, com atos terminados em um abraço e um beijo, quanto amor existe entre nós que nunca manifestamos?
Fez de mim um ser ocupado e preocupado, sério e aplicado, você diria. Mas saiba que sou alegre e bebo à saúde dos que amamos, assim como você. Não sou sisudo do tipo que desencanta, primo por um futuro que te orgulhe, e sei que chegarei lá. Lembra quando no discurso de formatura do Médio abrimos falando que te amávamos?
Mesmo que não diga, saiba que te amamos do mais fundo lugar de nossos corações. Tão fundo que às vezes nos esquecemos, mas vem à tona de forma a por em cheque a nossa essência toda vez que conseguimos algo grandioso ou que perdemos algo importante. O meu amor por você mãe, me fez completo e me fez bondoso, do tipo que procurará a Justiça, que devolverá o dinheiro recebido por mal, que não fará mal à moça alguma, do tipo tímido que admite não se drogar ou que se diverte por divertir-se mesmo, que gosta de uma boa companhia e se encanta por olhares.
Me fez esforçado, me fez não querer férias, me fez se espelhar em uma senhora que criou três rapazes sozinha. Obrigado por tudo, você é e será sempre o meu norte quando todas as razões me faltarem, quando me desesperar, quando estiver abandonado em uma tarde chuvosa, nos momentos mais escuros e mais terríveis de minha vida sei que estarei confortado por seu amor eterno, pois que você me dá essa certeza sempre.
Não consigo terminar um texto cuja essência não tem fim, e portanto, completarei este daqui a algumas semanas, quando estaremos sorrindo diante do meu presságio!
Beijos mãe, eu te amo.